No Dia Mundial da Pessoa com Deficiência, três de dezembro, as influenciadoras Karen Bachini e Mari Melo postaram um vídeo intitulado “Precisamos falar sobre O Boticário com Mari Melo”, no canal de Karen. As influenciadoras gravaram uma review, isto é, um teste e análise, dos novos pincéis da Make B.. Mari Mello é uma mulher com deficiência física e produz conteúdo na internet voltado para o nicho de maquiagem e beleza, trazendo sempre em suas discussões a pauta de uma beleza acessível. Assim, no vídeo, os pinceis são testados tanto por uma pessoa com deficiência quanto sem deficiência, com o intuito de observar como a acessibilidade não é apenas para pessoas com deficiência mas facilita as atividades de todas as pessoas.
Imagem 1 – Captura de tela de pinceis acessíveis articulados da Make B.
Fonte: https://destaque1.com/o-boticario-lanca-primeira-linha-de-pinceis-acessiveis-articulados-no-brasil/
A Make B., uma das linhas da marca nacional de cosméticos O Boticário, lançou em novembro de 2024 uma linha de pincéis articulados para maquiagem. Esse lançamento correspondeu a primeira linha desse produto no Brasil, aproximando a marca da defesa da acessibilidade no universo da maquiagem. Os produtos se direcionam especialmente às pessoas com deficiência nos membros superiores, fraqueza muscular e deficiência visual. Para a campanha, a própria marca selecionou modelos com deficiência e apresentou os cinco pincéis articulados, sendo um multifuncional, um para pó facial, um para as sobrancelhas, um para base e um para blush, contemplando todos os passos de uma preparação de pele na maquiagem. É a primeira vez que são lançados, no Brasil, pincéis articulados, ou seja, podem ter o ângulo ajustado de acordo com a necessidade do usuário, giram 360º na parte das cerdas, possuem o cabo em formato de paralelepípedo para não rolar na mesa e na ponta do cabo há desenhos em alto relevo diferentes para cada tipo de pincel, sendo possível identificá-los através do desenho e de modo tátil.
Imagem 2 – Captura de tela da base com desenhos em alto-relevo dos pinceis acessíveis articulados da Make B. I
Fonte: https://www.boticario.com.br/pincel-para-po-acessivel-articulado-make-b/
Visibilidade e representatividade
Imagem 3 – Captura de tela das duas influenciadoras testando o produto
Já no início do vídeo existe uma discussão sobre a visibilidade das pessoas com deficiência para as marcas de maquiagem. Mari Melo pontua que a base desenvolvida por Karen Bachini, apesar de ter uma fórmula mais líquida e fluida que facilita a aplicação de quem tem fraqueza muscular ou dificuldade de coordenação motora, possui o plástico da embalagem muito rígido, tornando mais difícil apertar para sair o produto. Com essa observação, Karen diz que as pessoas que trabalham com maquiagem não lembram desse público e Mari concorda dizendo que não é muito falado e que é uma comunidade que ainda não consegue projetar sua voz e suas necessidades de forma tão efetiva. No entanto, ela observa que a coleção esgotou quando foi lançada, indicando que existe público e que essas pessoas também são consumidoras. Essa discussão escancara pontos sobre o reconhecimento das pessoas com deficiência e ainda mostra como existem mecanismos, como a internet, que podem potencializar o alcance dessas experiências.
Imagem 4 – Captura de tela do momento em que Mari explica sobre a rigidez da embalagem e exemplifica a facilidade de aplicação de uma embalagem menos dura
Outro momento que gerou uma discussão interessante sobre a representação da deficiência foi quando as influenciadoras discutiram sobre a campanha da Make B para esses pinceis. Mari comenta que ficou feliz por não colocarem apenas pessoas cadeirantes como modelo – algo que normalmente ocorre em publicidades com pessoas com deficiência. A campanha da Boticário trouxe uma diversidade de deficiências para que as pessoas entendam de fato o público a ser alcançado. Além disso, os influenciadores contratados para a divulgação do produto eram pessoas com e sem deficiência, sendo positivo por aumentar o alcance do produto e do debate. A divulgação também buscou levar a mensagem de que a acessibilidade é para todos, uma vez que ninguém quer ter dificuldade na hora de se maquiar. Em outro momento, Mari acrescenta também que esses pinceis podem ser utilizados por maquiadores e facilitar o trabalho através do mecanismo da angulação, e pontua que “o óbvio tem que ser dito”.
Imagem 5 – Captura de tela da campanha da Make B
Autonomia para se maquiar
Nos momentos em que os pincéis são testados de fato, ambas comentam que tinham receio de que o pincel fosse frágil em relação a girar e mudar o ângulo escolhido acidentalmente. No entanto, ele se mostrou rígido o suficiente para não mudar de ângulo durante o movimento natural de maquiar, uma vez que durante esse processo a força e os movimentos realizados para aplicar produtos podem ser mais bruscos, fazendo com que o pincél ficasse instável, girando sempre que o movimento fosse realizado. Apesar de rígido para os movimentos, o teste do pincel mostrou que ele é maleável o suficiente para mudar a angulação ao realizar pressão do pincel no rosto, o que Mari aponta utilizar com muita frequência para compensar a força dos membros superiores. Além disso, isso acaba promovendo uma autonomia maior da pessoa com deficiência ao se maquiar. Mesmo sendo a única pessoa com deficiência em seu ciclo social, Mari revela que treina as pessoas ao seu redor para ajudá-la quando necessário e gosta de explicar questões da comunidade, acessibilidade e deficiência para eles. Assim, ao longo da conversa Mari apresenta, voluntária ou involuntariamente, formas de adaptar sua rotina de maquiagem. Inclusive, traz exemplos de quando usa a deficiência ao seu favor, como no momento de fazer delineados, que é uma etapa que exige uma mão mais leve para afinar a precisão do traçado. Como ela possui fraqueza muscular, seu movimento naturalmente já não utiliza muita força, sendo a etapa mais fácil e que ela mais gosta de realizar.
Imagem 6 – Captura de tela de Mari utilizando o pincel da Make B
Imagem 7 – Captura de tela de Mari fazendo o delineado
Existe uma certa facilidade de adaptar produtos de beleza, segundo as influenciadoras. Karen Bachini utiliza um alicate para angular pincéis tradicionais e mostrar como é algo rápido e simples que pode ser feito pelas empresas. Além disso, Mari explica que o preço de produção e venda de um pincel adaptado não é muito diferente de um tradicional, sendo possível ser fabricado em uma escala muito maior. Ainda, em um dado momento do vídeo, ela é auxiliada por um amigo para levantar o braço e alcançar o ponto do rosto que quer se maquiar, coincidentemente ou não, é o momento em que ela não está utilizando um pincel articulado. Assim, no final do vídeo, elas mostram que a nova linha da Make B se mostrou eficaz para aumentar a acessibilidade, funcionando tanto para pessoas com ou sem deficiência.
Imagem 8 – Captura de tela de momento em que Karen angula um pincel tradicional
Imagem 9 – Captura de tela de momento em que Mari é ajudada pelo amigo
O vídeo publicado por Karen Bachini nos permite observar a experiência da deficiência, pensando em sua visibilidade, identidade e acessibilidade. Há uma ênfase no fato de que o mercado não pensa nas pessoas com deficiência para desenvolver seus produtos e que isso parte também da comunidade que não é ouvida e ainda é ensinada desde cedo que certas atividades não dizem respeito a elas. Sobre isso, Mari compartilha que trabalhar com maquiagem na internet a fez observar os espaços que ela ocupa e que foi ensinada a ocupar. Isso nos leva a refletir sobre a sua forma de atuar na internet como uma afronta ao “destino” que lhe é atribuído por ser uma pessoa com deficiência.
O espaço da internet pode amplificar a luta das pessoas com deficiência. Já as pessoas sem deficiência têm o papel de contribuir nessa luta dando visibilidade, assim como fez Karen ao convidar Mari para testar e falar sobre a acessibilidade no nicho da beleza. O canal possui 2,48 milhões de inscritos no youtube.
Link do vídeo analisado: https://www.youtube.com/watch?v=cefQAIXuaDc&t=2820s